Quais são os direitos que o Estado brasileiro pode ter violado?
A crise humanitária dos Yanomami é um retrato cruel de políticas públicas que falham com os Direitos Coletivos. Com as informações que temos até agora, nos propusemos a responder à pergunta: quais são os direitos que o Estado brasileiro pode ter violado?
Direito ao usufruto exclusivo da Terra Indígena
São estimados mais de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. O garimpo é uma atividade econômica ilegal quando é realizado em áreas que passam de 50 hectares ou em Terras Indígenas. De acordo com a Constituição, “as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
Direito à vida
Ao menos 570 crianças foram mortas pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome. De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, o número pode ser maior. O direito à vida é uma garantia fundamental prevista no artigo 5º, caput da Constituição Federal Brasileira e é entendido tanto como o Direito a “permanecer vivo”, quanto a ter uma existência digna.
Água
O mercúrio é utilizado no garimpo para facilitar o processo de separação do ouro e é tóxico para a vida humana e para o meio ambiente. Ele é escoado nas águas dos territórios onde ocorre a prática ilegal. O acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essencial, fundamental e universal, indispensável à vida com dignidade e reconhecido pela ONU como “condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos”.
Segurança alimentar
De acordo com o MPF, 52% das crianças yanomamis estavam desnutridas no fim de 2022, índice que em comunidades de difícil acesso chegava a 80%. O direito humano à alimentação adequada está previsto nos artigos 6º e 227º da Constituição Federal, definido pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, e no artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros instrumentos jurídicos internacionais.
Ele é definido como o direito de cada pessoa ter o acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para obter estes alimentos, sem comprometer os recursos para obter outros direitos fundamentais, como saúde e educação, e também contempla o direito ao acesso a uma alimentação adequada e saudável.
Saúde
A assistência básica de saúde foi desestruturada, com desabastecimento e irregularidades nos contratos de medicamentos. Malária e verminoses se proliferaram entre a população da Terra Indígena. De 13.748 crianças aptas ao tratamento de verminoses no primeiro semestre do ano passado, só 3.555 foram tratadas.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no artigo XXV, diz que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”. Ou seja, o direito à saúde é indissociável do direito à vida, que tem por inspiração o valor de igualdade entre as pessoas.
No Brasil, o direito à saúde está previsto no artigo 196 da Constituição que dispõe que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas”.
Direito ao meio ambiente equilibrado
A atividade clandestina do garimpo causa desmatamento de vegetações nativas e é responsável pela contaminação das águas, do solo e do ar por mercúrio. É direito de todos viverem em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido no artigo 225 da Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Direito à cultura
O direito à cultura, liberdade, convivência familiar e comunitária também são direitos presentes na constituição brasileira no artigo 227. Também é protegido, no artigo 5º VI, o direito à liberdade de consciência e de crença, além dos locais de culto e as liturgias. Muitos dos locais onde estão sendo instalados os garimpos ilegais são pontos sagrados para os povos indígenas. É agravada, portanto, a sensação de falta de respeito com a crença indígena e o ensinamento dos mais velhos e ancestrais sobre determinados locais nos territórios.
Direito à infância
A proteção à maternidade e à infância também são direitos garantidos pela constituição brasileira no artigo 6º.
O Ministério dos Povos Indígenas divulgou que, somente em 2022, 99 crianças yanomamis de um a quatro anos morreram devido ao avanço do garimpo ilegal. As causas da morte foram, na maioria, por desnutrição, pneumonia e diarreia.
Além disso, estudos da FIOCRUZ apontam que em grávidas, o mercúrio ultrapassa a placenta e o risco é muito maior para o feto, que ainda está em formação. O cérebro do feto é muito mais sensível ao mercúrio e pode comprometer a cognição. Essa criança pode ficar com a inteligência comprometida para o resto da vida, ter danos ou perda de visão, da audição e até mesmo na parte motora.
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