Como vimos no artigo anterior, o mercado de carbono surgiu como uma ferramenta para auxiliar o enfrentamento dos desafios socioambientais causados pelas mudanças climáticas. Ele envolve a compra e venda de créditos gerados por projetos de compensação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) a fim de promover ações contra o aquecimento global e atingir metas de redução de emissões de GEE.
No mercado voluntário, o valor do crédito é baseado na implementação de projetos de carbono e na certificação dos créditos de carbono para sua comercialização. Empresas adquirem esses créditos para compensar suas emissões, muitas vezes como parte de suas metas de responsabilidade corporativa.
No caso do mercado regulado, os governos estabelecem metas de redução ou limites de emissões por meio de legislações aplicáveis aos setores responsáveis pelas fontes emissoras. Empresas que emitem menos do que a cota estabelecida têm a opção de vender seus créditos de carbono para aquelas que excedem a cota, respeitando um limite.
Implementação do Mercado regulado de Carbono no Mundo
A implementação do Mercado Regulado de Carbono é notavelmente mais morosa do que a do mercado voluntário. Atualmente, poucos países possuem legislações abrangentes o suficiente para operacionalizar mecanismos de incentivo e punição que garantam uma gestão séria das emissões de GEE por parte das empresas.
O primeiro sistema de comércio de emissões, European Union Emissions Trading System (EU ETS), foi criado pela União Europeia em 2005. O EU ETS é um sistema de cap-and-trade que estabelece um limite máximo (cap) para as emissões de GEE e emite licenças correspondentes a essa quantidade para que as empresas possam comprar e vender (trade) essas licenças no mercado de carbono. Atualmente, o EU-ETS se aplica a todos os países-membros da UE, os países da área de livre comércio europeia (Islândia, Liechtenstein e Noruega), além da Irlanda do Norte para a geração de eletricidade.
Sistemas cap-and-trade também estão em operação em diversos locais, incluindo China, Nova Zelândia, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, México, Cazaquistão, Japão, Coreia do Sul, Indonésia e em alguns estados dos Estados Unidos. No entanto, devido às diferenças entre os regimes em relação aos preços do CO2, concepção e setores abrangidos, é necessário avançar na interligação desses sistemas para facilitar o comércio internacional de emissões de CO2 entre os países.
Na América Latina
Todos os países da América Latina ratificaram o Acordo de Paris e apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), porém, apenas sete deles (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Paraguai e Peru) possuem algum marco legal de Mudança Climática. Ademais, estudos apontam que a maioria desses marcos, que têm o potencial de integrar a legislação, proporcionando credibilidade e segurança jurídica, carece de ambição diante da urgência climática e ecológica que enfrentamos. A região está entre as que mais sofrerão com o aumento de temperatura e a alteração do regime de chuvas decorrentes do aquecimento global, mas ainda avança lentamente na implementação de políticas climáticas.
O Brasil, que no início dos anos 2000 foi considerado protagonista por suas ações de conservação, não conseguiu manter sua trajetória positiva. Metas ambiciosas de redução de emissões haviam sido estabelecidas, porém, em grande parte devido ao aumento do desmatamento sob a administração do governo Bolsonaro, não foram cumpridas. Agora, o país se encontra diante da urgência de agir para cumprir suas metas de redução de emissões e enfrentar os desafios climáticos atuais, o que exige políticas e ações eficazes. Atualmente, o Brasil ainda não possui um Mercado Regulado de Carbono.
Panorama Atual da Regulação do Mercado de Carbono no Brasil
Diversos projetos de lei têm sido debatidos no Brasil. Em outubro de 2023, o PL 412/2022, que visa regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), foi aprovado pela Comissão do Meio Ambiente do Senado e apensado ao PL 2148/2015. Dois meses depois, o PL 2148/2015, que propõe a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), foi aprovado pela Câmara dos Deputados, após passar por algumas modificações. Atualmente, o projeto de lei, agora denominado PL 182/24, está aguardando a reavaliação no Senado Federal.
A proposta do PL é baseada no modelo cap-and-trade. O limite será dividido nas Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs) e a quantidade de CBEs com a qual cada empresa contará por um determinado período será estabelecida pelo SBCE. Com o objetivo de se manterem abaixo do teto, as empresas poderão comercializar as CBEs entre si.
Segundo a proposta, empresas que emitem entre de 10 mil e 25 mil toneladas de GEE terão de apresentar relatórios de monitoramento. Acima disso, as empresas devem apresentar, além dos relatórios, um plano para reduzir suas emissões. Em caso de não cumprimento, o PL estipula uma multa de até 5% do faturamento da empresa, além da possibilidade de suspensão parcial ou total das atividades.
O PL também estabelece um período de transição de dois anos e propõe a criação de um órgão gestor que definirá quais atividades, instalações, fontes e gases serão regulados, bem como os níveis de emissão e métodos de medição das emissões.
Especialistas concordam que o texto final está bem maduro em relação aos anteriores. Um avanço observado foi a garantia aos povos indígenas e comunidades tradicionais sobre a comercialização de créditos gerados em seus territórios. Há uma grande expectativa quanto à regulação sobre a criação de uma nova demanda por créditos. Setores como a aviação, por exemplo, enfrentam limitações na redução de sua pegada ambiental. Outro setor que pode ser beneficiado pelo SBCE é o das energias renováveis que apresenta um alto potencial de crescimento e desenvolvimento tecnológico e já possui uma pegada ambiental relativamente reduzida.
Estabelecer um mercado de carbono regulamentado no país oferece vantagens importantes, incluindo a previsibilidade e segurança que ele pode proporcionar às indústrias comprometidas com a sustentabilidade. Além disso, a implementação desse mercado regulamentado no Brasil tem o potencial de aumentar a competitividade dos produtos nacionais no cenário internacional.
Todavia, o projeto foi criticado por excluir o agronegócio de sua regulamentação. O setor é responsável por 73% das emissões de GEE no país, considerando o desmatamento e as mudanças no uso do solo, de acordo com o estudo publicado pelo Sistema de Estimativa de Emissão de Gases Estufa (SEEG). Por outro lado, especialistas argumentam que nenhum mercado regulamentado de carbono no mundo inclui a agricultura e pecuária em seu regime e que ainda não há metodologia consolidada para calcular as emissões nesse setor. Em todo caso, grupos de pesquisa, incluindo parcerias internacionais, estão desenvolvendo metodologias para contabilizar as emissões do agronegócio, considerando essencial incluir o setor para uma política nacional eficiente de redução de emissões.
Um ponto negativo no texto foi a permissão para gerar créditos de carbono por meio da manutenção de Área de Preservação Permanente (APP), de reservas legais e de áreas de uso restrito, o que já é obrigatório pelo Código Florestal. Essa geração de créditos não traz adicionalidade, ou seja, não garante que o resultado da mitigação não teria ocorrido na ausência da ação em questão. Isso pode levar a questionamentos sobre a eficácia real desses créditos na redução das emissões de carbono.
As opiniões sobre a aprovação do PL se divergem em vários aspectos. Enquanto alguns defendem a aprovação do texto ainda este semestre para acelerar a redução das emissões e propõem a criação de outros PLs para lidar com especificidades, outros argumentam que é necessário mais tempo para discutir pontos de incerteza para torná-lo mais robusto, com uma maior segurança jurídica à sua aplicação.
Paralelamente à discussão sobre a aprovação do PL, a subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável afirma que grupos de trabalho multidisciplinares, apoiados pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, estão elaborando medidas para implementação do Sistema, além de metodologias de fiscalização e outras pautas cruciais para a prosperidade econômica e socioambiental.
A complexidade do tema demanda extenso estudo e diálogo. É um fato que o Brasil está aquém de suas metas, enquanto a crise climática se agrava. É imperativo agir com rapidez na busca por políticas, projetos e inovações para enfrentá-la. A criação de uma legislação que regulamente um mercado de carbono íntegro, seguro, transparente e eficaz contra a prática de greenwashing é essencial neste contexto. Enquanto parte dos parlamentares trabalham na construção de projetos de lei relacionados à prevenção e combate às mudanças climáticas, outros persistem com iniciativas que facilitam o desmatamento dos biomas brasileiros e culpam a natureza como se não fossem responsáveis pelas catástrofes climáticas atuais. Tal cenário é preocupante e inaceitável.
Referências
Aliança Brasil NBS – O Mercado de Carbono Regulado em 2024: Avanços e Perspectivas
DW. Dezembro 2023. O que o Brasil tem a ganhar com mercado regulado de carbono?
EU Emissions Trading System (EU ETS) – European Commission
LACLIMA. Rodrigo Sluminsky. Mercado de carbono e adicionalidade em projetos de energias renováveis
Ministerio de Ambiente y Desarrollo Sostenible – Contexto Mercados de Carbono
PL 182/2024 – Câmara dos Deputados (senado.leg.br)
PL 412/2022 – Senado Federal (senado.leg.br)
Pública. 2023. Governo pode tirar do papel mercado regulado de carbono
ReliefWeb. November 2023. Colombia: Climate Change Country Profile
Reuters. February 2024. EU to step up efforts for more carbon markets worldwide.
Villares, M; 2022. Fundación Sustentabilidad sin Fronteras. Relatório sobre os Marcos Legais de Mudança Climática na América Latina
Webinar FVGces | Perspectivas sobre o mercado de carbono regulado no Brasil